Thursday, September 28, 2006

Caricaturas Crónicas 5

O PORTUGAL CARICATURAL
Por: Osvaldo Macedo de Sousa

«- Teve uma syncope! »
«- Já o despimos, até lhe ti­rámos a camisa, para facilitar a circulação ...
e não recupera os sentidos. É capaz de nos ficar nas mãos!»
«- Entretanto vamos todos endireitá-lo, que está muito torto.»
«- Não puxem da direita!»
«- É da esquerda que empurram ....»
«- Afrouxem lá de cima!»
«- Aguentem de baixo ...»
«- Não tem senão ossos e está todo desengonçado.
O melhor é esfolá-lo e encher de palha a pele.
Bem empalhado, se lhe dará vida nova.»
(M. Pinto, in "Charivari» a 25/4/1891).

Qual espantalho o têm transformado os nossos governos e seus desgovernos, as suas alianças e desalianças, os empréstimos de penhora... e assim aos olhos do caricaturista, Portugal apresenta-se em sincope crónica.
Em 1847, Cecília no Supl. do "Patriota" (27/9) dá-nos uma das primeiras interpretações caricaturais do nosso país - descreve-o como um esqueleto despojado de vestes e carnes, pelos agiotas. Na altura ainda não havia o FMI, mas em todos os tempos e locais existem entidades caritativas para o desenvolvimento dos países. Contudo, nos contratos dos empréstimos nunca fica definido onde se provoca o desenvolvimento, se no campo económi­co, se na dívida.
Em 1848 o mesmo Cecília (in «Patriota» 17/9) já nos apresenta Portugal tal como um burro carregado de albardas. Claro está que tudo isto é uma simbologia cadastral, numa localização zoológica, ou seja, como identificação do nosso país como uma das raras reservas especializadas naquele espécime animal. Porém, algumas pessoas mal intencionadas interpretam o burro como o português pronto a obedecer a qualquer almocreve nacional ou estrangeiro, mas sempre teimoso em não tomar o caminho do progresso.
A albarda, nesse desenho, é o símbolo da nossa riqueza, e nossa força. Riqueza pela abundância de albardas (já que não temos outra coisa); força porque mesmo com oitocentos anos aguenta às costas tanta simbologia de trabalho, e sempre pronto a aguentar muito mais. Mais tarde, as más-línguas dirão que o burro é o povinho, e que as albardas são os impostos, juros e décimas que lhe lançam no costado.
De qualquer modo, é preciso esclarecer que, se por vezes o caricaturista transforma a imagem do Zé num burro, é como gesto humanitário e pudico. O Governo, por necessidade patriótica, penhora-lhe muitas vezes a camisa e a pele. Ora, entre mostrar um Zé em pêlo, ou um burro, é preferível o último, não se vão ofender virtuosos olhos.
Nesse mesmo ano de 1848 um anónimo desconhecido (já que Cecília era um anónimo conhecido, apesar deste desconhecidos ser provavelmente o mesmo desconhecido Cecília - in «Patriota» 22/10) cria uma pequena alegoria com a tourada, mostrando o nobre Portugal a ser toureado, a ser farpeado por políticos nacionais e estrangeiros (que isto de hospitalidade vem de longe). O povo entretanto observa deliciado a perícia dos cavaleiros. Uma das razões por que ainda hoje não se mata touro na arena, provém do mau exemplo para possíveis simbologias, provém do perigo que seria o caricaturista simbolizar a morte do País. Farpeado, pegado, domado ainda vá lá, porque isso já está na nossa massa do sangue, mas morto não.
Em 1849, outro Anónimo («Patriota» 2/1) apresenta Portugal como uma nau à deriva em plena tempestade. Uma imagem bonita deste povo de marinheiros sem frota pesqueira, deste país que vive na água que os políticos metem. Na verdade somos marinheiros por essa mesma razão, para não nos afogarmos na nossa política intestinal.
Depois de 50, os anónimos cansados de tanto clamar no deserto deram lugar aos assinantes, já que a lista classificada é meio caminho andado. Mas estes poucos trouxeram de novo o mais importante símbolo nascido dos assinantes, apareceu em 1875, e baptizado com o nome pomposo de Zé-Povinho.
Portugal manter-se-á sempre como um velho esquálido, mas perante tal imagem degradante, o caricaturista envergonhado apresenta um jovem Zé, mesmo em pêlo ou esfolado como o povo português, como o País em si. Simbiose compreensível, já que ambos sofrem na mesma medida com as actividades dos nossos políticos, e com a amizade dos nossos aliados.
Essa amizade fez com que certos povos (ou investidores) afirmassem que o «Zé-Prometeu» (R.B.P., in «António Maria», 24/3/1881) certos favores nas colónias (industriais e comerciais), na isenção de impostos, em conclusão, facilidades. Mas, mesmo jurando que não prometeu nada, continuam a devorar-lhe o fígado.
Esfolado e empalhado; albardado; quase afogado; debicado... tudo isso pode ser, mas que se lembre o diabo de tentar matá-lo, porque então coiceia, investe de cornos no ar, e manda uns tantos Miguel de Vasconcelos pela janela fora. No caso dos vivos adormecerem. Stuart gritará de novo: «Mortos de pé, que os vivos estão de cócoras!"

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