Sunday, November 11, 2007

"CARICATURISTAS POR TIMOR"

Tenho andado a fazer limpezas nos meus arquivos e fui encontrar alguns textos publicados em livros que creio que não perderam actualidade. Como podem, eventualmente, ser uteis para alguns estudantes, ao longo dos dias vou publica-los por aqui. Este foi escrito em 1999 para o catálogo da exposição, quando realizamos a grande manifestação de solidariedade "Caricaturistas por Timor".

DENUNCIAR É PRECISO

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

O primeiro sinal de inteligência revelou-se no sorriso que o primeiro sapiens construiu perante a adversidade da vida, e com esse sorriso tomou consciência de como tornear a questão.
A primeira marca identificadora da consciência do Homem foi a mão gravada na parede da caverna.
A mão e o sorriso moldaram o nascimento de um novo Ser, que se levantou da terra e se impôs entre os outros animais. Surge então o Ser Inteligente.
Mas, ser ou não ser, é a questão que tem acompanhado a humanidade na sua tentativa de evoluir do estado selvático ao democrático.
Ao longo da História temos verificado que esse objectivo ainda está longínquo, e a animalidade selvática, desculpem-me os animais, não é apenas um resquício no carácter dos Homens tribais, fundamentalistas clubísticos ou políticos, mas uma característica bem viva, activa e presente em muitos Homens contemporâneos.
Não é preciso recuar no tempo, falar de um Hitler, de um Pinochet e seus esbirros, já que infelizmente o dia de hoje relata-nos o que acontece em Kosovo, em Timor Leste (para falar apenas em duas situações mais visíveis, e já politicamente correctas), os genocídios que acontecem às mãos de militares sérvios, de militares indonésios… Estes seres, ditos humanos, torturam, matam, destroem não por necessidade de sobrevivência, mas pelo simples prazer humano de espezinhar o vizinho.
Só o Homem sabe Rir pelo simples prazer, como só o Homem sabe matar e destruir pelo simples prazer de o fazer.
O prazer da morte é satânico, e o riso, segundo alguns teóricos, também. Será o Riso satânico? É verdade que, pelo humor, o homem mata, virtual e temporariamente, o inimigo, colocando-se numa posição superior e denunciadora das fraquezas do Ser atingido. Mas na realidade o riso não mata, apenas atordoa temporariamente. E Ri melhor quem Ri no fim. O Humor é uma arma democrática que deixa espaço à resposta. É fundamentalmente uma arma de denúncia.
Se não sabemos quando nasceu o riso, porque ninguém fala do deus Bess (deus do humor no Antigo Egipto), no âmbito do humor gráfico na Civilização Ocidental podemos falar do humor como denúncia satírica a partir do séc. XVI.
Ela desenvolve-se com o nascimento da tipografia, com a democratização do saber, com a tomada de consciência, com a democratização do saber, com a tomada de consciência cívica de novas camadas da sociedade. Surge como denúncia por parte da Reforma, e depois da Contra-reforma.
Nasce com a missão de denunciar, informar e despertar os espíritos subjugados pelo poder. Como definiu Jacques Sternberg: "O humor é uma arma de ataque, um grito enlouquecido no deserto, uma forma de desespero, uma sucursal do pânico e do insólito, o último recurso".
Não sendo tão alarmista como Sternberg, na verdade este é o último recurso da inteligência, é a revolta contra as vergonhas humanas, é a forma mais séria de olhar a vida. Na verdade, não se deveria brincar - como muitos fazem - com o humor, já que este é o último recurso de sobrevivência humana.
E a história desta arte, por que é de uma arte que se trata, tem sido a denúncia das desumanidades, das incongruências, dos abusos. Primeiro de uma forma panfletária, em que as farpas satíricas marcavam a sangue as suas vítimas. Depois foi-se ironizando, transformando o fundamentalismo em opinião. Uns dizem que perdeu desde aí a sua força interventora, outros juram que a democracia crítica é mesmo assim, já que o politicamente correcto tem muito mais força económica, que a irreverência.
De todas as formas a caricatura/cartoon é uma força de opinião, que por vezes desenterra o seu machado de guerra e denúncia com irreverência os políticos, os ditadores, os genocídios. Existem neste momento várias dezenas de cartoonistas presos por todo o mundo. Presos por terem ousado ter liberdade de pensamento e expressão. É certo que nunca um ditador, um político oportunista ou, um militar sanguinário foi destituído pela simples acção de um desenho. Mas é certo que muitos desenhos no seu conjunto já conseguiram abrir os olhos ao mundo.
Timor é um caso desses. Oprimido, assassinado, torturado durante décadas, o povo maubere soube sempre estar de cara levantada contra os opressores, contra a morte. Essa força obrigou a que, aos poucos, o mundo acordasse para essa opressão, obrigou a que a humanidade tivesse vergonha de não querer ver, não querer olhar, não querer ouvir.
A imprensa jogou um papel fundamental nesse despertar, e o caricaturista teve o seu papel, de na síntese de um desenho dizer milhares de palavras caladas no sofrimento, no horror.
Não é de hoje nem de ontem, que caricaturistas portugueses têm usado a sua irreverência para denunciar. Se apenas usamos cartoons publicados a partir do início desta década, é que neste momento de reconciliação de um povo em luta final pela sua liberdade e independência, não queremos abrir velhas feridas que os nossos caricaturistas testemunharam. Deliberadamente partimos do momento em que a infelicidade de uns fez acordar o mundo, um despertar longo e demasiado demorado até ao dia de hoje.
Este volume é pois o resumo de uma crónica desenhada de uma luta partilhada por um povo, e por uma classe de artista/jornalistas. Surge num movimento de solidariedade que se intitula "Caricaturistas por Timor", iniciativa a que aderiu a grande maioria dos caricaturistas portugueses, solidários com a causa de Timor Loro Sae e que obteve, de imediato, o apoio da Humorgrafe e do Sindicato dos Jornalistas, assim como de vários outros patrocinadores. Este álbum inclui-se numa mais vasta série de iniciativas que têm o valor que têm. Mais para uns, menos para outros, tentando esquecer pequenas desinteligências do dia a dia, e damos todos as mãos pela causa de TIMOR LOROSAE.

Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?