Thursday, December 06, 2007

HISTÓRIA da arte DA CARICATURA de imprensa EM PORTUGAL (parte 5)

Manuel Maria Bordallo Pinheiro

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

A caricatura é um género que está entrar na moda aos poucos, e não há duvida que o Suplemento de “O Patriota” foi o grande impulsionador e motor do humor gráfico deste primeiro periodo, pela persistência e qualidade. Com o seu desaparecimento em 1852 (altura em que cremos que coincide com a morte do Cecília-Pinta-Monos de tísica) abrir-se-á uma lacuna, que só muito mais tarde será colmata com a revolução Bordaliana. Entretanto a caricatura política sobreviverá mediocremente, dando espaço ao humor gráfico de maior incidência social, num caminho de aprendizagem estética, e de democratização do Humor, deixando de rir-se DE, para procurar rir-se COM os políticos e demais Glórias caricaturáveis.
Figuras fundamentais desta transição serão Manuel Maria Bordalo Pinheiro, Nogueira da Silva e Manuel Macedo, que procurarão tirar os melhores proventos da evolução gráfica que dominava países como a França e Inglaterra. Sobre esta transição escreveu Teixeira de Carvalho, in “Arte e Vida” (nº 7 de 1905): «De todos os caricaturistas estrangeiros é Hogarth o que teve na imprensa periódica ilustrada uma representação mais larga»
«/…/ Além de Hogarth, poucos caricaturistas lograram ser reproduzidos cuidadosamente em Portugal, e o seu verdadeiro valor passou no nosso país completamente desconhcido.»
«É facil encontrar nas publicações periódicas portuguezas referência d’onde se deduz que a literatura satyrica e a caricatura franceza eram conhecidas em Portugal; não é possivel porém encontrar um trecho donde possa deduzir-se o apreço em que eram tidas.»
«/…/ É para notar também que em parte alguma se encontra na imprensa periódica portugueza referência a Daumier e á sua obra.»
«Da obra caricatural franceza, admirava-se apenas em Portugal a frivolidade elegante de Gavarni, o desenho emfuso de Cham muito reproduzido em decalques de gravadores principiantes.»
«Importada pela literatura popular, é na litteratura popular que vemos aparecer a caricatura em Portugal com as illustrações originaes da ‘Revista Popular’ e da ‘Semana’.»
«A Caricatura teve o balbuciar nos enygmas pittorescos das publicações illustradas populares.»
«Foi ali, que os desenhadores aprenderam a linguagem do calembourg.»
«Além disso os desenhistas preocupavam-se com fazer fallar aqueles desenhos simples, tornar comprehensiveis os gestos, as attitudes, as visagens, que traduziam o pensamento ou a phrase popular.»
«Assim foram levados a dar a maior intensidade de expressão no traço mais incisivo e mais simples.»
«Nesses calembourgs o desenhista podia imitar, mas nunca copiar o desenho extrangeiro que fallava outra lingoa. O desenhista fazia assim a aprendizagem da linguagem e do gesto do traço.»
«Assim gradualmente, o desenhista, achou o traço caricatural, embora ingénuo.»
«Começava também por esse tempo em Portugal, a illustração dos romances que por seu lado havia de contribuir poderosamente para o apparecimento da caricatura.»
«De todo esse movimento é figura principal Nogueira da Silva, que pelo ser espirito emprehendedor, pela sua devoção á causa popular, e pela evolução do seu espírito de caricaturista é o antecessor de Raphael Bordallo Pinheiro…»
Vamos passar um período de cerca de duas dezenas de anos, em que a sátira política na formula explosiva e panfletária se esvai numa mediocridade total (o que confirma a grande importância do Cecília/Maria Pinta Monos). Mas, como já referi não é um período morto, antes de transição, onde vão reinar os artistas gravadores, os ilustradores que se tinham desenvolvido paralelamente nas referidas publicações de instrução e entretenimento. É um período em que as questões técnicas e estéticas são fonte de preocupação dos artistas.
Esta questão estética não é apenas uma preocupação dos gráficos, mas geral no país, primeiro porque os próprios tempos assim o exigiam a nível europeu, depois porque com o apoio do rei-consorte D. Fernando as artes em Portugal passavam um momento de impulsionamento.
Um dos protegidos do rei, e que procurará ser um dos teóricos é Manuel Maria Bordalo Pinheiro, que terá grande importância, não só pela sua dinâmica organizativa, pelas tertúlias que desenvolverá em sua casa, assim como pela pródiga geração de descendentes que dará ás artes.
Natural de Lisboa, onde nasceu a 28 de Novembro de 1815, Manuel Maria Bordallo Pinheiro é a imagem mais concreta do que eram as artes em Portugal no princípio deste século. Artista, sem o ser como profissional, levaria o seu amadorismo a limites de qualidade, explorando todas as técnicas e oportunidades passíveis de criar arte. Pintor, escultor gravador, litógrafo, critico e esteta, seria discípulo de António Maria da Fonseca, do miniaturista Luís Pereira de Resende e do escultor Faliciano José Lopes. Cultivou o gosto e a arte como ecletismo.
Seguir as correntes estéticas internacionais do momento era o seu objectivo num país um tanto arredado desses movimentos de exploração dos novos mundos, da interioridade de cada um. «Hoje - afirmaria Manuel Maria em carta dirigida á Academia de Belas Artes - as escolas acabaram. Cada um faz carreira por si próprio, observando a natureza, e é preciso estudá-la e compreendê-la. Os nossos artistas hão-de forçosamente representar a sua época seguindo o movimento actual».
No seu elogio fúnebre, publicado no “Ocidente” (nº52 de 15/2/1880), este papel de dinamizador das artes é mais explicito: «…Ao seu esforço deve-se, por assim dizer, o renascimento da arte da gravura, que se achava inteiramente esquecida e desprezada.»
«Do distinto artista disse há poucos dias um biógrafo: "Há quarenta anos, quando Manuel Maria Bordallo Pinheiro fez a sua entrada no mundo artístico compunha-se unicamente dos elementos seguintes, - uma sombra sentada sobre uma ruína.”»
«“O fio da tradição tinha-se partido, a memória dos grandes nomes estava perdida. Era preciso fazer tudo. Para vencer, era necessário em primeiro lugar a têmpera dos valentes e a crença dos predestinados.»
«Bordalo Pinheiro iniciou a gravura em madeira, e o 'Panorama' saiu do caos. Principia então, a laboriosa vida do artista, manifesta-se a fecunda iniciativa que depois, secundada por outros esforços, consegue tornar a sombra numa estátua e a ruína num templo.»
Apresentado como um pioneiro, como um inovador, ele teve um papel de dinamização nas nossas artes, como "espírito tutelar” orientador de uma família das artes portuguesas; como dinamizador de correntes estéticas novas; e organizador das mais variadas actividades artísticas.
A primeira manifestação onde se evidenciou foi na gravura. Partindo da observação de escolas ou mestres, soube recriar as técnicas necessárias das artes gráficas, para relançar a ilustração jornalística numa visão mais estética:
Recriou uma arte, difundindo a ilustração, e tentou fundar uma escola. Discípulos teve, as obras foram aparecendo no “Panorama”, na “Ilustração”, na “Revista Popular”, nas “Artes e Letras”, no “Ocidente”...
A nível estético acamaradou com os românticos, numa visão historicista ou pitoresca. A sua formação de miniaturista facilitou-lhe a exploração do pormenor, de pequenos quadros de género, pinturas de costumes, para além de quadros histórico-anedóticos.
Admirado por D. Fernando Sax-Coburgo e pelo duque de Palmela, viajou com mecenato do último, por Madrid, Paris e Londres, num estudo que acentuou a sua tendência para o género flamengo, onde o rigor na observação, o pormenor da realidade, o apresentam como antecessor do realismo, uma estética de vanguarda na época.
O realismo aparece aqui não como filosofia estético-social, mas como fruto de uma linha romântica no gosto do costumbrismo, das cenas populares que, vistas pela “verdade simples”, nos apresentam o anedótico como grotesco e por vezes caricatural.
Manuel Maria, sem ser um caricaturista ou um humorista, é um dinamizador (pela sua actividade de gravador e de crítico, pela constituição de uma Sociedade Promotora de artes...) da gravura que impulsionará a caricatura; do realismo como evolução estética da ilustração humorística. Foi portanto o primeiro espírito esclarecido a abrir as portas ás artes de mass-média e ao humorismo de expressão estética.
Morreu em 1880.

Monday, December 03, 2007

HISTÓRIA da arte DA CARICATURA de imprensa EM PORTUGAL (parte 4)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

A Censura Cabralista foi confirmada a 4 de Setembro de 1850 com legislação conhecida como «A Lei da Rolha». A oposição acusava esta Lei de não ser uma medida repressora da Liberdade, mas de supressora da Imprensa. As reacções não se fizeram esperar de norte a sul, e a 22 de Maio de 1851 são revogadas algumas providências censórias, sem contudo haver total liberalização.
Naturalmente haverá uma grande reacção por parte dos jornais, e especialmente do Suplemento de o Patriota, já que era não só um dos mais visados pelas tentativas de opressão, como era o mais ousado nas irreverências satíricas. Uma curiosidade é o conhecimento já existente da força da caricatura não só como oposição, mas como promoção dos próprios políticos, tal como se pode testemunhar no texto do Suplemento ao nº 1085 do Patriota.

«SUPLEMENTO AO Nº 1085 DO PATRI0TA»
PARTE OFICIAL
«0 doutor Pedro José da Silva Leitão Junior, administrador do bairro de Santa Catharina, etc. »

«Mando a qualquer dos oficiais de diligência desta administração passe em cumprimento d’ordens de S.Exa, 0 Sr Governador Civil, a intimar a Manoel de Jesus Coe1ho, editor do periódico político - Suplemento Burlesco ao Patriota - para não continuar a publicar o dito Suplemento em quanto se não proceder ás habilitações especiais, exigidas na carta de lei de 19 de Outubro de 1840, por não poder de modo algum considerar-se extensiva a publicação de dito responsável do jornal - O Patriota - visto que o suposto Suplemento constitui visível e incontestávelmente um jornal distinto, que se publica em diferente tipo, formato e numeração própria - tudo diverso e separado do dito jornal - 0 Patriota - do qual se pretende inculcar suplemento, sob pena no caso de desobediência a esta ordem do mesmo Exmº Sr. e contravenção à mesma lei de se proceder contra ele nos termos dela. Lisboa 11 de Janeiro 1848.»
Lisboa 17 de Jabeiro

«Não foi sem fundamento que asseveramos há tempos que a situação actual nos pertencia, e que intimamos os ministros, os deputados, os rectas pronuncias, os governadores civis, os seus respectiv os secretários, e todos os outros gafanhotos oficiais, civis, eclesiásticos e militares, para que não dispusessem das suas pessoas sem nossa especial permissão.»
«Entretanto hoje já poderemos fazer presente a qualquer amigo nosso de algum daqueles ornamentos do nosso museu, por que nos entrou por casa dentro a maior riqueza da terra. ¬ Casamos com alguma herdeira rica? Não: ou já casaram, ou não nos querem. - Saiu-nos a sorte grande? Maior que isso, muito maior. Fizeram-nos ministro, deputado, porteiro, comendador, aguazil, bispo ou Rosa-Cruz ? Ainda é cousa muito maior, e ai vai, que nos está a saltar dos bicos da pena.»
«A Terra Santa é nossa oficialmente por c ontracto celebrado perante o dr. Leitão.»
«Foi o próprio cozinheiro Lapa quem nos mandou intimar, para que lhe déssemos lugar permanente no Sup1emento, qualquer que fosse a despesa dos garfos, caçarolas, colher de pau e mais utensílios para decorar convenientemente a carantonha do maior fazedor de rabiollos de todas as Europias de Portugal.»
«O cozinheiro viu o seu retrato na galeria contemporânea: cotejou-o com o espelho quebrado, que lhe serve para fazer a barba, gostou: encheu-se d'orgulho; se encontrava algum dos colegas ainda não caricaturado, olhava-o com desprezo como a um verme imundo; porém chegou a semana seguinte foi ver o Suplemento - não vindo lá - ficou a arder - no seguinte também não: no imediato nem já se falava no seu nome. - Isto é de mais! Gritou o homem ¬proíbam ja esse maroto; entaipem-o, suspendem-o, cacetem-o, enforquem-o.»
«A estas vozes de ira juntou-se a cozinha toda, para estudar o modo de dar cabo da nossa respeitavel produção - Um limpa caçarolas era de voto que se nos aplicasse o decreto dos fuzilamentos, outros que nos fizessem excomungar pelo Cardeal /.../ pelo Arcebispo burlesco das esmolas; e enfim tal foi a matinada e confusão, que até houve quem 1embrasse a lei das indemnizações, ou a dos forais para nos ser aplicada, cuidando que forais vinha de furar, e que não poderíamos deixar de ser pelo menos empalados.»
«Ai pondo-se em pé em cima de uma caldeira muito reluzente, gritou um gamenho cheirosissimo: = Meus senhores, em nome da água de co1ónia, e do maravilhoso óleo de macassar acomodem-se, e ouçam - Ninguém aborrece mais do que eu esse indigno Suplemento, que ainda me não concedeu as honras da caricatura... a mim, fidalgo por meu tio, comendador por meu tio, secretário geral por meu tio, bacharel por mim, deputado pela sombra do meu tio, e de outros tios adoptivos; a mim que não poupei sacrifícios para me fazer caricaturar; que até chamando-me António José Marques Caldeira, dei o José Marques ao meu criado para que ao menos por parvenú pudesse entrar na galeria contemporânea !! Isto é horrível como a convenção de Gramido, pesado ao meu coração como o quarto artigo do protocolo (As cafeteiras, e caçarolas batem uma nas outras com entusiasmo frenético, e o orador continua) Eu não queria levar a palma ao nosso cozinheiro, mas depois dele quem me negará o primeiro lugar? (Dá uma patada na caldeira - sinais de efervescência nos tachos) Não fui eu quem denunciei em Coimbra até o meu próprio companheiro de casa, quando 1á era meu secretário com o titulo de governador civil aquele larápio da rainha de Sunda? Não fui eu quem se escondeu com pasmosa coragem no dia da revolta dos estudantes, para aparecer depois do perigo valente como uma ovelha o vingativo como o tio inquisidor ? E não dava tudo isto para duas caricaturas sublimes ? . E por outro lado estes cabelos cheios de fleur de genet, de tubereuse e até de ó1eo de rícino se chegar a ser moda, estes lenços (puxa de 15 lenços de seda e de cambraia de diferentes algibeiras) impregnados de água de castanhas, estas ceroulas (faz gestos de as querer mostrar; os tachos murmuram ) embebidos de eau de lavandi, enfim, todo eu catita como não há outro, sem que um cabelo da risca ou da suissa se afaste um escropulo da posição que lhe está marcada, sou um antípoda, um bárbaro, um fiho de coito danado, para que me não caricaturem ? associo-me pois ás vossas ideias de suspensão do Suplemento, e suposto que vós não sabeis latim, por isso mesmo dir-vos-hei nessa língua morta, que o que mandar o nosso cozinheiro - ita jus esto - Mas como homem que andou em Coimbra, sempre lhes direi que visto ainda durar o tal sistema representativo é necessario um pretexto para o fazermos limpar.»
«0 Suplemento é em diferente formato e com diferente numeração; diremos que o typo é diferente, logo é outro periódico; logo suspenso.»
«Uma frigideira pede a palavra.»
«Ora sr dr. fidalgo e comendador, pode limpar a mão a uma rodilha. Amanhã sai o Suplemento com o mesmo formato e numeração do Patriota, e nós ficamos logrados.»
«O dr. ex-marques levanta-se e diz: e então que importa! A redacção zanga-se: no primeiro número sairemos todos caricaturados, e ao menos por aquele caminho passaremos à imortalidade desde o nosso mestre dos rabiollos até ao mais insignificante de vocês (aplausos gerais; entusiasmo ebrio).»
«Em seguida mandaram-se ao dr. Leitão as instrucções necessárias.»

«Desejávamos deveras obsequiar o dr. ex-marques, porém o nosso Pinta-monos por delicadeza para com 0 Recta-Pronuncia e o Ferrugento recusava-se faze-lo - participamos dos escrúpulos do Pinta-monos, e por esta vez ainda não podemos fazer a vontade a S.Exa.»

Sobre o aparecimemo da caricatura na Imprensa temos mais um testemunho, agora de Rocha Martins que em 1909 nos dá a sua visão histórica (publicado em "Os Serões" de Setembro de 1909):
«Em Portugal um dos indivíduos mais violentamente atingidos pela caricatura foi Costa Cabral e d'uma forma que nem mesmo quando a arte perfeita de Bordallo marcou Fontes, Arrobas e todos os politécos do seu tempo, pode ser excedida. 0 Patriota jornal d’oposição ao cabralismo, lançou o seu Supplemento Burlesco, á imitação dos jornais franceses, um pequeno folheto de quatro paginas recheado de injúrias e de sátiras. Dois caricaturistas, que assinavam Cecilia e Maria, ocultarem-se, a ficarem desconhecidos para a posteridade, fizeram sangrar rijamente os Cabrais, sobretudo António Bernardo - depois Marquês de Tomar - que a ter realmente os figados ferozes que os seus inimigos lhe atribuíam e a rodear-se dos caceteiros que, diziam, acaudilhavam os seus sequazes, teria mandado por mais d'um vez, alguns rijos pimpões de Algodres deslombar com o estadulho provinciano os seus acusadores.»
«Há uma caricatura em que o ministro aparece rapinando lenços das algibeiras alheias e que traz a seguinte legenda: 0 Instincto do Roubo; outra intitulada A Sentença do Paiz, e levando escrito nas costas a palavra Ladrão. São como um estigma, aquelas letras resaltando na pagina do Supplemento Burlesco e mostram-nos a liberdade d'imprensa que então existia e a audácia d'ataque que os nossos avós punham nas suas lutas políticas. As caricaturas teem então um ar de certo capricho, o desenho já é acabado; a ideia é sempre mordaz iniciando assim a arte que faltava nos caricaturistas anteriores. Em 1847 pintavam António Bernardo virando a casaca, transvestiam-no sempre em cabra, referindo-se ao seu apelido de Cabral; os seus partidarios apareciam como um rebanho; o seu brasão tinha animais estranhos, toda uma violenta obra de ridículo se fazia pela caricatura que dentro em pouco devia esmorecer para só ressuscitar e engrandecer-se na notável obra de Bordallo. Em 1850-1851 punham o ministro guiando um caleche que os seus amigos puxavam, isto n'uma alusão a certo negócio, de resto nunca provado, e que as oposições assacavam ao homem d'Algodres e colocavam-no sobre peanhas ridiculas de um cómico atrevido. Fustigavam-no e aos seus com as caricaturas estranhas que sao 0 Triumpho do Chibo e a Adoração do Cacete. A nação despojada, surge com a legenda hilariante: Estado em que ficou Portugal depois das vantagens de Tomar. A Maria da Fonte aparece de vez em vez n'essas paginas com as suas armas, ferrando socos nos Cabrais, os homens mais feridos pela caricatura terrível durante quatro anos em que no Supplemento do Patriota, Maria e Cecília, pseudónimos d'artistas d'algnm valor e muita energia foram lutando contra o governo e firmando em mais solidas bases aquela que justamente o príncipe e a sua côrte que abandonaram a nação no periodo crítico em que os invasores vinham chegando para a tomadia infame.»

A política satírica do Suplemento do Patriota, que era dizer sem rodeios o que pensa dos Cabrais, naturalmente tinha reacções por parte do govemo, que procurava defender-se dos insultos. Contudo, nem a censura, nem as justificações eram suficientes, e segundo esta redacção de sátiros, a única forma de acabar com estas ofensas, era os próprios Cabrais assumirem directamente os factos, como recomenda a «CARTA Dirigida pela redacção do Suplemento aos irmãos Cabrais» (no nº 1704).

«Excelentissimos Milhafres»
«Tendo esta redacção lido por diversas vezes nos jornais ministeriais diabrites mais ou menos violentas contra aqueles que tem a franqueza de vos acusarem de ladrões, e estando nós convencidos que toda essa algazarra vem de ter havido da nossa parte pouca exactidão nas diferentes listas de vossos roubos, e desejando sermos exactos em matéria de tanta importância, tomamos a liberdade de vos rogar de enviardes a esta redacção um mapa semanal dos vosso roubos para à vista dele não cometermos erros que vos possam prejudicar.»
«Lisboa 23 de Fevereiro de 1850.»
«Os Redactores»

Saturday, December 01, 2007

HISTÓRIA da arte DA CARICATURA de imprensa EM PORTUGAL (parte 3)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

O NASCIMENTO DA HISTÓRIA DA CARICATURA DE IMPRENSA EM PORTUGAL

Não sabemos a data certa da primeira caricatura impressa de autoria totalmente nacional. Ninguem gosta de se apresentar sem saber os anos certos da sua existência. Quem foi o primeiro ? Ninguêm gosta de se apresentar com pai desconhecido. Já encontramos varios nomes de gravadores que fizeram sátira, como João Baptista Ribeiro, um tal Filgueiras, um Flora, um Sendim... Contudo estas gravuras ou não passávam de meras ilustrações para embelezar a página, e tinham fraco indice satírico, ou não estavam inseridas no jomal, na gazeta. Estas últimas, verdadeiras irreverências gráfico-satíricas eram, normalmente folhas volantes, trabalhos esporádicos que surgiam de vez em quando para pontapear algum político, ou cacique num momento certo. Neste período destaca-se o “Ramalhete” (1837/39), o “Óculo” (1847), e o "Procurador dos Povos" (1838/1848) o periódico que mais gravuras satiricas publicou antes de 47.
Tal como na história da imprensa, os investigadores têm co1ocado os seguintes requisitos para marcar a data do seu nascimento: regularidade na sua publicação; serem trabalhos noticiosos ligados aos acontecimentos do dia a dia, e serem de autoria reconhecida.
Todas estas caracteristicas se reúnem no ano de 1847, no Suplemento Burlesco de "0 Patriota" (1847/1853).
"0 Patriota", jomal de tendência ‘Setembrista’, propriedade de Leonel Tavares, era porta-voz de uma facção mais radical, que utilizava no jomal todas as armas para veicular as suas ideias, e destuir os adversários. Iniciou a sua publicação em 1843. A 12 de Agosto de 1847 (ao numero 954) acrescenta-lhe um "Supplemento Burlesco", com tamanho de papel diferente. Era um jomal dentro do jomal, um com função mais noticiosa, e outra mais interventiva, irreverente e critica. Segundo esclarecimento no Patriota do dia seguinte eram mesmo dois jornais diferentes, num só: «A redacção do Patriota declara que é absolutamente estranha e alheia aos suplementos que ontem se começaram a publicar com este jornal; são outras as pessoas que escrevem para o Suplemento». Cuta a crer nisso, parecendo mais uma podição de protecção contra investida de censores que pudessem penalizar o jornal pela irreverência do Suplemento, contudo, mais tarde terão que vir defender-se, afirmando o contrário, como se pode ver em citação posterior. De todas as formas o ideario era o mesmo, como se pode 1er nesse primeiro Suplemento ao número 954 do Patriota:
«Cabeçalho em Forma de Profissao de Fé Política »
«Nascemos : lançaram-nos neste vale de tagrimas, neste mundo corrupto, cheio de imundices, de soldados, de algaravios e de Castilhos, em o ano económico de 1799 em que Portugal celebrou um tratado de paz e a amizade com a regência de Tripoli de Barberia; primo-co-irmão do protocolo de 21 de Maio.»
«Uma velha, espécie de bruxa, que morava na nossa vizinhança tirou-nos as cartas, estremeceu de horror, torceu o pescoço a um gato que tinhamos, e disse a nossa mãe: este menino está reservado para grandes coisas, há-de vir a ser patuleia; e as cartas dizem mais que durante a sua menoridade verá um homem de cor parda, ministro dos negócios estrangeiros, que apesar de ser mulato há-de teimar que é branco, do que se hão-de seguir grandes males a Portugal, que apesar de tudo, acrescentou a velha »
«Há-de ser perseguido »
«Nunca vencido !!!!»
«Passados os primeiros anos da nossa mocidade frequentamos grande número de universidades estrangeiras, e depois de um curso completo de direito público, de ...rsivo, letra gorda e de clinica médica, formamo-nos em ciências abstractas, para melhor conhecermos o coração humano e o corpo social, e por isso dizemos afoitos que Manuel Duarte Leitão tem de morrer doido.»
«Com o andar do tempo (que ainda nao era o Tempo dos renegados ) vieram as constituições, os achaques e as revoluções, e nunca nos fizeram deputado, no que a nação perdeu imenso, segundo a nossa opinião filosófica.»
«Á força de fadigas, empenhos e trabalhos, conseguimos ser dispeçados de um dos batalhões de guarda nacional de Lisboa. »
«Levou-nos Deus ao Campo de Ourique por ocasião da Belemzada, e continuando as revoluções, os achaques e constituições, depois de muitos empenhos, nunca fomos feridos a favor da nossa adorada rainha a senhora D. Maria 2ª, que Deus guarde por muitos anos como todos os bons portugueses havemos mister.»
«0 nosso corpo não tem pois lesão alguma, quer moral, quer física, temos bom apetite, abdómen desembaraçado, ainda que constituição fraca pelos ataques nervosos da região superior.»
«Somos patuleias, por embirração, por pirraça e por melancolia, e como pertencemos a uma nação que é senhora da Guiné, Mar em Africa, Conquista e Navegação, que tem não sabemos que, na Etiópia, Arábia e Pérsia; por isso temos o direito de acreditar que os irmãos Cabrais não são pessoas limpas de mãos.»
«Não assistimos á morte do Conde Andeiro porque ainda não éramos nascidos, mas tivemos a ventura de conhecer o Dietz, que graças a Deus ainda vive. Tão pouco fomos ao Cartaxo comer arroz doce com o invicto das caras para nos não engasgarmos com as tais letras de polegada que tanto deram no goto ao padre Eleutério.»
«Lamentamos do fundo d’alma, que o reverendo Marcos passe aos olhos da nossa antiga e fiel aliada como o nosso primeiro borrachão, e estamos persuadidos, que se o padre bebe, é só para conservar a saúde; pois e a aguardente conserva as frutas, muito melhor conservará o corpo humano. Assim o assevera o publicista Vattel e outros muitos.»
«Sempre achamos o Proença muito feio e muito rombo, e por esse motivo, e mais dos autos, continuaremos a guerrear um partido em que se roubam conegos, rainhas de Sundem, e em que há Trasimundos e imundos, pernas de pau, cambados, coruscantes, sacripantes, tratantes, reis de Molembo, circulos bicudos, algaravios modelos de disciplina que estripam gente por essas ruas como quem bebe um copo d'agua, e com tais defensores da carta nao queremos nem ir para o céu; antes preferimos ser condenados a comprar e 1er a farmacopeia do europeu Albano, ou a comer milho miudo durante um mês.»
«0 nosso credo politico, os nossos princípios, a nossa religião, a nossa bandeira, os nossos amores, a nossa Dulcineia del Teboso, são a Maria da Fonte, porque o fado tem de cumprir-se, porque quando ainda no berço nos tiraram as cartas prognosticaram elas que teríamos de ser grande patuleia.»
«Somos fatalistas, e por essa razão estamos convencidos, que todos nascem com a sua estrela; boa ou má; a nossa guia-nos para onde for o povo, já agora temos de a seguir.»
«Resta-nos pouco a dizer ....................................................................................................... ...................................................»
«N.B. Somos obrigados a declarar para inteligencia do leitor, que faltando-nos o estro para continuar esta nossa profissão de fé, a damos aqui por acabada e finis coronat opus. Este latim vai aqui bem encaixado e nada deixa a desejar.»
Este suplememo era dirigido pelo jomalista Bemardim Martins da Silva (o tal nascido em 1799), tendo como seu colaborador um litografo, que ficaria conhecido por "Lopes Pinta Monos".
A gravura (litográfica ou de madeira) já era comum na nossa imprensa, em pequenas ilustrações de início de artigo, de Parágrafo, ou de composição gráfica da página. Neste suplemento, este gravador (eventualmente em colaboração com mais alguns outros, pois não sabemos ao certo quantos mais trabalhariam neste suplemento), criará o desenho satírico de intervenção política, género que contemporaneamente se costuma designar por cartoon. Esta ilustração surge como testemunho noticioso da semana, como critica directa aos acontecimentos contemporâneos. Paralelamente desenvolverá a caricatura pessoal (retrato-charge), criando um álbum caricatural das ('Glórias') figuras Contemporâneas.
Curiosamente o primeiro desenho deste Suplemento, que retrata ou tal Ministro dos Negócios Estrangeiros mulato que‚ tem por baixo a legenda: ‘Cheguei, Vi e Venci’. Não se referia esta legenda propriamente ao desenho satírico, como género que acabava de se desenvolver, antes é uma frase promissora, uma feliz ironia de uma realidade. A partir de 12 de Agosto de 1847 a Caricatura, o Desenho Satírico chegou, viu e venceu na Imprensa Portuguesa até aos dias de hoje.
Deste modo nasce, não a caricatura gráfica portuguesa, mas mais correctamente a História da Caricatura na Imprensa Portuguesa. Para trás fica a pré-história, que como na história do mundo é mais longa que a própria história, e que poderá ter começado no dia em que um D. Afonso Henriques corre com a sua mãe do trono, que um Egas Moniz, em defesa de uma Honra se entrega sob o aspecto satírico de condenado á forca ao Rei de Leao… Uma pré-história humorística muito literaria, que a partir do princípio do séc. XIX se misturou com a própria História da Imprensa em Portugal. A eIa viverá ligada, tratada muitas das vezes como bastarda, como sub-produto, ou como única razão de sobrevivência e êxito do titulo. Amada e mal-amada, conturbada sera esta história que assim começou, sob a assinatura de ‘pinta monos’ que ‘envergonhado ‘ da sua alcunha assinava com pseudónimos. Nascimemo burIesco este, em que a arte é apelidada de monos. Depois de 'monos' passou a 'boneco'...não como apreço á arte, mas por ‘desrespeito’ ás glórias caricaturadas. Actualmente, por desaparecimento de uma certa gíria, tornaram-se espécies em vias de extinção não só os bonecos, como os linguados…
Voltando á História. De repente encontramos a caricatura instalada na imprensa Portuguesa com uma força, e uma intervenção tão sistemática, que nos surpreende, e levanta-nos a curiosidade. Porquê este surgimento repentino ? Consequência da "Patuleia" ?
A Guerra Civil que se trava ao longo deste início de século não se regista apenas entre políticos, mas entre formas culturais de estar na sociedade, entre um regime caduco, e uma nova forma de viver, comunicar, de progredir.
Por outro lado a luta também não se regista apenas entre Miguelistas e Liberais (Velho regime e novo), mas também entre diferentes facções Liberais, seja por diferenças de opinião de forma de introduzir o ‘iluminismo’, e a democracia, mais radical, ou de uma forma mais lenta e conservadora há também os jogos de interesses pessoais de ocupar o poder. Era uma guerra civil de grupos de influência, uma transposição do caciquismo absolutista, para um liberalismo feudal, com guerras intestinas que ultrapassavam por vezes as questões ideológicas.
A "Patuleia" (46/47), mais uma das revoltas entre liberais, que o país se ia habituando, apesar de impor maior perseguição á imprensa (a abolição da censura era uma das promessas dos Liberais), e ás ideias dos diferentes partidarismos, virá criar campo propício à perseguição, criar espaço a lobbys políticos, onde o ‘setembrista’ “0 Patriota”, profundo inimigo do ‘cartismo’, gozou de algum privilégio, ou razão de existência satírica. Sendo oposição ao governo instituido, era um mal necessário.
Como testemunhará Júlio César Machado (no Livro "Lisboa de Ontem") «no dia em que se publicáva não se pensáva noutra coisa, não se faláva senão disso. Gostavam de o 1er moços e veIhos». A imagem desde logo triunfou, num pais onde o analfabetismo tinha uma taxa muita alta.
No Supl. Burlesco de "0 Patriota" destaca-se, como foi referido, o trabalho de um artífice da litografia, o tal 'Pinta Monos'. É Luís Augusto Palmeirim, que no seu livro "Os Excêntricos do meu tempo" de 1891, que nos deixou a única referência escrita sobre este artista: «O autor das caricaturas era geralmente conhecido pela designação do Pinta Monos, com que o próprio redactor do Supplemento chrismara o seu colaborador. Não me recordo n’este momento do nome do Pinta Monos, mas só me 1embro de que era um rapaz triste, doentio e já então em princípio de tísica pulmonar que mais tarde o levou á cova.» O Historiador José- Augusto França no seu livro sobre Raphael Bordallo Pinheiro, acrescentará o Lopes, certamente devido a informação no Dicionário Jornalístico Português de Xavier da Silva Pereira, que não consegui consultar.
Este 'Pinta.Monos' é seguramente o 'Cecilia', o autor dos melhores trabalhos, ao lado de o 'Maria' (que também pode ser ele, pela semelhança de traço). Mas haverá mais gravadores, mais jornais a publicar suplementos, folhas inseridas, como o "Procurador dos Povos" (também ‘Setembrista'), a "A Matraca” (este ‘Cartista', que durante o ano de 48 publica a "Galeria Pitoresca dos Heroicos Magnates da Corte da Maria da Fonte", folha essa que após dissidência interna viverá independente), a"Gralha"…
Leonardo De Sá e António Dias de Deus (‘em Antes e Depois: Prazeres sem sequência’ pág. 25, supl. do 13), aceitam a data de Agosto de 47 como o início da caricatura gráfica em Portugal, mas defende que é com o «nº 1 de ‘A Gralha’, de 4 de setembro de 1847, temos os primeiros cartoons portugueses devidamente autenticados - com a assinatura de Filgueiras». No livro Os Comics em Portugal António Dias de Deus afirma mesmo «em 4 de Setembro de 1847, encontramos o nº 1 de “A Gralha” vários cartoons com legendas de balão, assinados Filgueiras. Parece ser esta a primeira autenticação directa de um cartoon português, dado que as assinaturas depositadas noutras anedotas coetâneas não passam de pseudónimos». Será que é mesmo o seu nome, Filgueiras, ou pseudónimo ? Uma questão por agora impossível de encontrar resposta, de todas as formas não temos qualquer dado biográfico, o que não acontece com o caricaturista de “O Patriota”.
Surgem mais trabalhos publicados, contudo, com ressalva para o Pinta Monos (Cecilia - Maria) os trabalhos não atingiam uma qualidade estética de registo. Inclusive intensificou-se o aparecimento e ilustrações noutros jornais, se não de cunho satírico político, pelo menos com humor e sátira social, trabalhos onde os historiadores da BD vão buscar as origens desse género gráfico (como na Revista Popular…).
É certo que como o Sz, ou Souza (Estevão Duarte de Souza), e o Coelho a qualidade da ilustração é diferente, mas mais no campo dos jornais de ‘instrução e recreio’. Uma dessas publicações, a “Revista Popular - Semanário de Literatura e Industria” (que inicia a sua publicação em 1848) apesar de não publicar sátiras políticas, imprime uma série de ilustrações, que se podem considerar como sátiras sociais, sátira de costumes. Segundo sua afirmação, com “gravuras originais em madeira executadas por artistas nacionais”, e desvendado no nº 8 o nome de José Maria Baptista Coelho (pelo menos as gravuras não humorísticas) como o autor desses trabalhos. Contudo, como poderemos ver mais adiante, normalmente era o Manuel Maria Bordalo Pinheiro quem fazia o croqui com a ideia, e este gravador executava na madeira. Será o Manuel Maria Bordalo Pinheiro o primeiro autor de desenhos de humor totalmente identificado ?
Este é na verdade um fim de década promissor, contudo havia muito caminho a percorrer, e o aumento de trabalhos satíricos publicados nos jornais noticiosos, ou burlescos, não foi sinónimo de aperfeiçoamento da arte da gravura global, já que a maioria dos artistas continuavam a ser simples artesãos de uma ‘industria’ gráfica. Os nossos artistas não tinham sabido apreender toda a arte dos mestres gravadores que por cá passaram no passado, essencialmente porque estes tinham vindo através da corte, através da elite artistica e intelectual, mas talvez também por algum desinteresse por uma arte que era mal paga, ainda não tinha grande saída profissional… Na Revista Popular nº8, quando desvendam a identidade de José Maria Baptista Coelha, queixam-se das dificuldades da arte, e testemunham que esta habilidade reconhecida pelo público «só pode ser excedida pelo seu (de Coelho) zelo e deligência em aperfeiçoar-se na arte em que tem feito tão grandes progressos. Oxalá que os nossos governos, attendendo seriamente a esse importante objecto, animem estes e outros distinctos artistas a prosseguir na gloriosa tarefa que se impozeram» (pág. 58)
Por outro lado denota-se na maioria, pouca apetência para apreenderem as artes de humor das gravuras estrangeiras que se importavam, talvez por diferenças culturais, educacionais, ou mesmo de estratégia política. No campo das gravuras que narram pequenas ‘histórias narrativas (aos quadradinhos)’ o que se encontra é fundamentalmente a cópia, a adaptação crua. Certamente aquele humor mais elaborado entrava em choque com a arte de escárnio e mal dizer mais contundente que sempre dominou o nosso espírito.
Estes artistas gráficos mais não eram que simples operários, sem cultura política, ou estética, onde a questão jornalística era mais importante, e que ilustravam grosseiramente uma legenda, um texto satírico…Contra a repressão, a ditadura, o despotismo fervilha sempre a violência. e contra o cabralismo não poderia haver outra forma de diálogo jornalístico. As caricaturas da imprensa noticiosa desta época são fundamentalmente de teor político, anónimas ou assinadas por pseudónimos como Maria, Affonso, Eu, Buffon, Júlio, Cecília… em jornais como “O Pharol” (1848), “A Fonte” (1849-50)…
A sátira, expressão simbólica, utiliza então como primeira arma a Alegoria, construindo com os nomes dos personagens, ou actividades, a caricatura ligada a simbologias ou alegorias de fácil compreensão. Como segunda arma utiliza a metamorfose antropomórfica.
Por cá passaram alguns retratistas estrangeiros com alguma qualidade, exímios gravadores de rostos, e estes sim deixarão alguma escola, e talvez essa a razão pela qual a caricatura destes primeiros anos utiliza o retrato simples como base, e a sátira advêm do ‘cenário’, dos ‘complementos’. Assim, e não só em Portugal, a caricatura desenvolve-se em macrocefalia, ou seja com cabeças muito grandes, onde a identidade fica assegurada, depois complementada grosseiramente com os elementos que farão o riso, que satirizarão a 'vitima', ou o que ela significa no momento político e social.
Esta utilização da semelhança, ou aliança do homem-nome com os animais e objectos, é uma das mais antigas fórmulas de sátira popular. E dessa forma nasceu não só a arte dos nossos primeiros 'artistas' caricaturais, como a primeira vedeta da nossa sátira caricatural - o Costa Cabral, o cabralismo e, por simbologia a Cabra.
Assim os elementos ‘cabreiros’, ou seja os cascos, e mesmo o corpo da cabra impor-se-á aos cabralistas. Sendo o irmão de Costa Cabral Conde de Tomar, esta designação de povoação transformar-se-á em acusação de roubo, 'tomando' tudo a seu favor. Serão também conhecidos pelo Chibo de Algodres, terra natal da família…
O anonimato não é uma simples fuga a responsabilidades, no caso da caricatura política, mas uma defesa do caricaturista perante o “mau génio”, a falta de humor do governante. Como ‘missão’ liberal-democrática, o caricaturista ataca a política governamental, defende os interesses do leitor-povo, toma a palavra pela oposição em geral, ou por um sector específico. A liberdade de imprensa e de pensamento nunca foram uma constante muita duradoira no nosso país, e por isso, sempre foi necessário procurar subterfúgios de comunicação para dizer as verdades que os dirigentes preferiam não ver. Talvez essa uma das razões por a língua portuguesa ser ‘muito traiçoeira’.
Estes primeiros anos são um período de panflaterismo, de radicalismos, e se o ideal de objectividade‚ defendido posteriormente pelos caricaturistas era conseguirem «ser oposição aos govemos e oposição as oposições», neste período desejam ser apenas oposição, e a imagem que nos ficou destes primeiros anos de caricatura é: «A miséria do povo, enquanto os governantes se enchiam. 0 povo, os empregados públicos são esqueletos, e Costa Cabral esta cheio como um ovo» (18/11/1847). «A Fórmula do domínio esta consagrado no 5º Poder - 0 Cacete» (16/4/1848), "a luva de ferro" (16/4/1848). «0 comunismo cabralista é o roubo» (7/4/1848), e "seus ministros sao uma quadrilha de ladrões" ( 15/5/1849).
Costa Cabral, «o vendilhão deste país» (16/11/1849), transformou-o num «armazem de comendas por Groço e Miúdo» (7/11/1848), para quem o apoiasse, enquanto que para os outros havia o peso da justiça, uma mulher que se vende (14/2/1849). Nesta paisagem, a liberdade de expressão é uma Rolha enfiada na boca dos pensadores (1/2/1850), imposta pelos «gatos pingados da liberdade d’imprensa» (12/5/1850).

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