Thursday, April 03, 2008

História da Caricatura de Imprensa em Portugal (parte 22)

Sebastião Sanhudo – 2
Por: Osvaldo Macedo de Sousa

1878
O Porto, como segunda cidade deste país, era como que uma aldeia nortenha acoplada a uma cidade-feitoria dos comerciantes ingleses. Nesta simbiose vivia num provincianismo requintado onde a burguesia endinheirada desenvolvia os seus gostos e interesses estéticos independentes de Lisboa (seria nesse âmbito que o Porto desenvolveria a sua escola pictórica). A própria imprensa, com a sua variante burlesca e humorística procurará manter essa independência ao longo dos anos.
As tertúlias à volta de um copo, de um café, de um artista, de um mecenas, de um político eram os pólos de animação desta cidade, num diálogo aberto sobre as tendências artísticas, sobre a crítica à actualidade política e social. A Tertúlia será a fonte principal de inspiração para Sebastião Sanhudo e seus jornais, o que dará uma certa característica portuense ao seu humor.
Como vimos, em Junho de 1877 está ligado à criação de "O Pae Paulino" que duraria um ano e tal (indo até Fevereiro de 79), o que correspondia a mais da média de longevidade da maioria dos jornais humorísticos. Porém Sebastião Sanhudo sairá a meio, não sabemos se por desinteligências com o proprietário, se por vontade de criar o seu próprio jornal. Assim a partir de Janeiro de 78 no nº 25 o seu lugar de ilustrador é ocupado por Ruy Vaz, depois por Brito até ao seu desaparecimento em Setembro de 78, num degradação lenta, com o afastamento gradual do público. A falta de qualidade ou a falta de compradores regionalistas levava naturalmente à falência estes jornais, sendo preferidos os que vinham da capital. Sebastião Sanhudo, sabendo disso, aproveitou "O Pae Paulino" como um jornal-sondagem, para estudo do gosto do público nortenho, para encontrar a fórmula que o público portuense desejava ou queria nas suas leituras.
"O Pae Paulino" foi o ensaio para o jornal humorístico de maior longevidade no século XIX: "O Sorvete". Este novo jornal, editado pelo próprio Sebastião Sanhudo lançado algum tempo após o abandono do primeiro (9 de Junho de 1878), manter-se-á nas bancas quase até à morte do seu criador, ou seja, durante 22 anos (O "António Maria" de Bordallo atingiria apenas a idade de 14 anos, e 20 se incluirmos pelo meio "Os Pontos nos ii" como um "Antônio Maria" disfarçado). Desapareceria simplesmente por velhice e cansaço do artista. Voltemos a dar a palavra a Alberto Meira: «em 9 de Junho de 1878 aparece o novo semanário "O Sorvete", que viria consagrar definitivamente o seu caricaturista, tornando-o uma figura querida da grei. Esse "O Sorvete", periódico para rir, prosseguiu regularmente até ao n.0 463, último do 10° ano, em 5 de Junho de 1887. Com a data de 1 de Janeiro de 1888 saiu o nº 1, do 11° ano, 2a série, que se prolongou até ao nº 48, referente a 23 de Dezembro do mesmo ano, declarando terminar aí a sua existência; mas, em 19 de Janeiro de 1898, reaparece novamente com o nº 1, do 12° ano, até ao nº 168, de 16 de Dezembro de 1900. Esse semanário, não obstante as suas interrupções, tornara-se indispensável em todos os lares; era, por assim dizer, o acepipe domingueiro, passando a simpática publicação a ser um atributo da personalidade que a criara. Era "O Sorvete" do Sanhudo ou o Sanhudo d' O Sorvete.»
«O periódico era a verdadeira crónica alegre da vida portuense daquela época. Percorrer hoje as suas páginas, tomar conhecimento directo e palpitante com os homens e os acontecimentos do findar do século, encaminhando-nos o lápis risonho, cheio de observações pitorescas, do seu ilustrador. Não há ali traços de ataque ou crítica feroz. Não senhores! Apenas comentários leves, despreocupados, por vezes ingénuos, como se fossem desenhados à mesa do café, em cavaqueira amena com os indispensáveis companheiros, Major Arriscado, da Polícia, e Padre Piedade, após o jantar burguês daqueles históricos tempos.»
«É que o temperamento de Sebastião Sanhudo transparece bem na sua obra: leveza de conceitos, superficialidade de crítica, boa disposição de espírito, graça natural, riso, e afastamento completo da maldade, que nunca devia existir entre os homens. Uma bela pessoa, afinal, encadernada sempre em indumentária aprimorada...»
«A parte literária de "O Sorvete" esteve sucessivamente entregue a Sá de Albergaria, João Diniz, Júlio Serra, Eduardo de Barros Lobo (Beldemônio), Júlio Vasco, António Cruz (Brás de Paiva), Mendes de Araújo (Vicente Galhardo) e, por último, a Marcos Guedes. »
Abandonando a sátira mordaz e a crítica directa, Sanhudo conseguiu, utilizando o desenho como caligrafia gráfica sem intuitos estéticos superiores, comentar com graça e ironia a vida da sua cidade. E a cidade retribui-lhe essa atenção, com a adesão ao projecto. "O Sorvete" é uma crónica alegre, pitoresca, do dia-a-dia de homens de negócios e da política, escrita como se fosse simples conversa 'maliciosa' de café, pelo traço leve e hábil de um humorista simples, como significante de um olhar ingénuo, mas salutar.
Se Sanhudo é um homem de tertúlias, que procurava ouvir todas as conversas de café, e de rua, ironizando com bondade sem querer entrar em conflitos satíricos, Raphael, segundo testemunho de Júlio César Machado (no prefácio ao "Álbum de Caricaturas") era o contrário: «O espírito de Raphael Bordallo era muito observador, e entretanto elle descuidava-se um pouco de o educar, isto é, não observava senão quando se proponha a isso e poucas vezes se propunha a isso. Adoptara uma maneira de viver sem vantagens para a sua profissão: tinha grupo, via sempre a mesma gente, falava e dava-se sempre com os mesmos homens.»
«O espírito de observação desenvolve-se visitando alternadamente as diversas camadas sociaes; é necessário ter um pé nas salas, e outro nas caixas de theatro: de uma vez na sociedade, de outra na folia: hoje pintores, amanhã burgueses: e principalmente, indispensavelmente, mulheres; quantas mais se conhecerem, melhores auspícios para o observador; a observação vem sobretudo d' ellas por ellas.»
«Raphael Bordallo tinha pouco conhecimento do mundo, e, por consequência, pouca malícia. Não há grande observador n' essas condições. Via os ridículos muito isoladamente, e, quando tratava de os apontar, individualizava. Era difícil lograr que elle gracejasse sem que o seu lápis indicasse logo no desenho, em vez de uma phisionomia geral, uma dada cara nossa conhecida, que correspondia ao ridículo apontado, pela circunstância de ser aquelle homem considerado de ter esses pecadilhos mas não realisava às vezes o typo absoluto, o ideal d' essa caricatura. Este systema encaminhava-o a contender com um e outro, sem que às vezes esse outro ou esse um tivessem sequer a importância sufficiente para se symbolisar n'elles uma intenção.»

Comments:
Não conhecia este artista,mas li com atenção porque sou curiôso e um artista apaixonado pela arte do humor grafico.
Adicionei seu blog em minha lista de links.
 
Fico muito contente por falarem do meu Bisavô Sebastião de Sousa Sanhudo fundador da Litografia Nacional no Porto, Engenheiro, Formado pelas Belas Artes também e um grande Homem de cultura.
Pintava muito bem a óleo e tenho um belo auto-retrato feito por ele.
Ia todos os Outonos para Paris passar uma temporada e aí convivia com os artistas e intelectuais da época. É muito amado pela sua família pois deixou uma memória-familia muito agradável.
Maria da Graça Rodrigues
 
Tenho pena que não tenha deixado contacto. Gostaria de saber mais sobre seu bisavô, um artista que eu muito admiro. O meu mail é humorgrafe_oms@yahoo.com
 
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