Sunday, December 03, 2017
HOMENAGEM AO “ANTI-HEROI” - O PALHAÇO DE ALEPPO Por: Osvaldo Macedo de Sousa
Prólogo
“…as lágrimas que derramamos são a
fingir, não se alarmem portanto com as nossas
dores e aflicções. Não! Não! Em vez disso, o
nosso autor tentou mostrar-nos uma faceta
da
vida. A nossa máxima é que o artista é humano. A verdade é a sua inspiração.
/…/
Que o espectáculo comece!”
(Prólogo da ópera “Pagliacci” de Ruggero Leoncavallo)
A
vida é o que cada um cria, encena e cenógrafa, segundo as vontades do
inconsciente, sendo mais fácil viver na tragédia do que se esforçar no
optimismo e na filosofia humorística, do que pintar a cara de palhaço e
distribuir sorrisos e esperança.
Não,
não é verdade que o “espaço de esperança” tenha morrido, apesar de Anas já cá
não estar: Não entenderam? É verdade, quase ninguém o noticiou e a comunicação
social que o fez já o esqueceu mas, em Dezembro último, morreu Anas Al-Basha,
mais um jovem entre os milhares que todos os dias morrem na guerra das
potências, neste caso, na Síria. Porquê referir Anas? Este jovem de 24 anos, em
vez de partir como refugiado com o resto da família preferiu ficar em Aleppo a
distribuir sorrisos e esperança entre as crianças e adultos. Vestido de palhaço,
dirigindo o “Espaço de Esperança”, andava entre os escombros da sua cidade, de
um país, de uma sociedade arruinada, a criar sonhos, entre os pesadelos do
dia-a-dia. Ele era o “Palhaço de Aleppo” que um raid, não interessa de que
lado, porque na guerra todas as partes conflituosas são assassinas de
inocentes, fez cair uma bomba na hora errada, no local errado, matando Anas e
as crianças que com ele sorriam para a vida. Morreu este “Palhaço de Aleppo”,
mas não a confiança, porque por cada sorriso abatido, novo se levanta e
prossegue a luta de esperança, de paz.
1º, 2º… Acto
“…você pensa que é um homem? Você não é
nada além de um palhaço.
Veste o fato, a cara enfarinha, as
pessoas pagam, e eles querem rir.
E se Arlequim rouba a sua Columbina, ri
Palhaço, e todo mundo vai aplaudir!
Transforma a tua agonia e sofrimento em
piada, transforma as tuas lágrimas e mágoas
num
rosto engraçado. Ri palhaço de teu amor arruinado!
Ri da dor que está envenenando o teu
coração!”
(ária do Tenor dos “Pagliacci” de Leoncavallo)
Em
1892, o compositor Ruggero Leoncavallo, ao escrever a ópera “Pagliacci”
(Palhaços) sintetizou nela a imagem romântica do Palhaço, uma energia mística
que reforça a tragédia do quotidiano em que a tristeza é a vida e a felicidade
a máscara social, explorando o jogo de espelhos onde num dos lados se ri,
enquanto do outro se chora, fazendo do dia-a-dia uma fatalidade incontornável.
O zénite dessa tragicomédia lírica é a ária do tenor "Vesti la giubba”, conceptualizando esse amor/dor, humor/desespero,
alegria/tristeza que vive dentro da personagem Palhaço, o mais marcante
“anti-herói” dos palcos.
Como defende o palhaço Oleg Popov: “o meu objectivo é entrar na pele da
personagem de um homem vulgar, que combine organicamente excentricidade e
realismo.” Quando o Homem veste a roupa clownesca, pinta a cara, coloca o
nariz vermelho da irreverência, não põe a máscara da hipocrisia, como faz a
corte do poder, mas antes trespassa a fronteira da realidade na inversão dos
grotescos, para melhor desenvolver a ponte das confidências, o elo da fantasia
onde vivem os sonhos, onde nos podemos ver como realmente somos, não como
Homens mas como almas atormentadas pelo poder da tragédia em vez da luz da
comédia. É nessa máscara grotesca e bela que se desenvolve o combate entre o
lado negro do espírito e a luz dos sorrisos, mesmo quando o lado macabro dos
criadores profana o romantismo clownesco e os transmuta em personagens
diabólicas, num jogo da matrix controladora e opressiva. Os cultores da
Coulrofobia pós-modernistas invadiram as páginas da literatura, narrativa gráfica,
cinema... com personagens macabras como “Pennyweise”, “Joker”, “Pogo”,
“Krusty”, “Doink”... mas o hábito não faz o monge, e cada palhaço desenha a sua
própria máscara como uma impressão digital, da sua alma.
Romântico, surreal, realista, grotesco ou
filosófico, o Palhaço continua a ser uma nobre arte de entreter, de sonhar, de
exorcizar e de fazer terapia contra os pesadelos da
realidade. Ser Palhaço é desconstruir o quotidiano, abrindo a janela do
fantástico, devolvendo-nos uma visão grotesca de nós próprios para melhor nos
reconhecermos ao espelho. Pelos seus gestos, mimicas e aparência desconcertante,
o Palhaço leva o público adulto ou juvenil a um regresso à irreverência gaiata
do riso salutar e livre de preconceitos. Com as gargalhadas, o público droga-se
nas endorfinas necessárias para a regeneração da vida, ensinando-o a rir-se de
si próprio, rir-se do pobre palhaço que todos temos dentro de nós, para o bem e
para o mal. Não há nada mais trágico que um palhaço, um cómico, um humorista
que não consiga despoletar um sorriso no público, que um ser humano que não
tenha um sorriso no coração.
Epílogo
“La
Comedia è finita”
(“Pagliacci” de Leoncavallo)
Não,
a comédia nunca acaba. A morte de um palhaço é a comédia trágica da vida porque
por cada palhaço assassinado a alma humana perde, momentaneamente, um pouco da
sua luz, contudo por cada intermitência de falsas fraquezas, nova força eclode,
se renovam as gargalhadas para enfrentar o grotesco que nos querem fazer
acreditar que é a vida, renovam-se os sorrisos com mais empenhamento contra a
negritude da tragédia que nos querem impor.
Bastaria
esta força telúrica para invocarmos ainda mais este “anti-herói”, para este
tributo ao Palhaço, à invocação de Anas Al-Basha. Contudo, esta homenagem deve
ser mais abrangente; se Anas sonhava trazer felicidade e sorrisos numa Aleppo
destruída, representando a esperança na paz, na vida e nos Homens, se temos
vários Patch Adams e importantes “narizes vermelhos” como terapeutas do
riso entre as camas dos hospitais a distribuir esperança, todos nós também
deveriamos querer ser trabalhadores do sorriso, construtores do optimismo e da
esperança, para que a paz, a tolerância e a liberdade sejam o nosso quotidiano.
“Viva Pagliacci!!!”
Homenagem ao Palhaço de Aleppo por Osvaldo Macedo de Sousa,
publicado en Fenamizah